Menstruação


A banalidade vista de uma outra perspetiva
quinta-feira, 17 de junho de 2021

Dirigido e escrito por Rayka Zehtabchi (2019)
Produção: Melissa Berton, Garrett K.Schiff, Lisa Taback, Rayka Zehtabchi
Duração de 26 min
Género: documentário
Assistir: Netflix
Elenco: Arunachalam Muruganantham, Rekha, Suman, Ajeya, Anita, Gouri Choudari, Shabana Khan, Sulekha Singh, Shushma, Shashi, Roksana
Cinematografia e edição: Sam A. Davis
Premiação: vencedor do Óscar
A menstruação é um tópico pouco, ou nada, abordado nos media tradicionais e, para muitas sociedades, ainda constitui um tabu, como é o caso da Índia. A verdade é que, com o visionamento do documentário Período: estigma da menstruação de Rayka Zehtabchi, vencedor de um Óscar de Melhor Curta-Metragem Documental em 2018, percebemos como as mulheres de Hapur lidam com este acontecimento natural feminino. De facto, a menstruação é, nesta região, um assunto que ninguém menciona e a comunidade masculina indiana do distrito de Hapur, na Índia, caracteriza este fenómeno como sendo um pudor e, até mesmo, uma doença.
Este documentário não é apenas uma obra cinematográfica acerca do estigma menstrual na Índia rural. Além de demonstrar a luta de um grupo de mulheres de Hapur pela independência financeira, através do fabrico a um preço económico de pensos higiénicos, ainda comprova que a falta de informação e instrução acerca de assuntos considerados banais afeta a vida destas mulheres.
Aquela liberdade que nós adquirimos de nos deslocarmos, quando quisermos, ao supermercado para comprar produtos de higiene íntima é vista, por nós ocidentais, como uma banalidade. Mas para as mulheres indianas, esta banalidade está condicionada por a maioria das lojas ser gerida por homens, criando uma aglomeração perto das mesmas. Como as deixa numa situação desconfortável, é mais vantajoso, nos seus pontos de vista, comprar os pensos a outras mulheres. Para além deste pormenor, como a estrutura financeira das famílias indianas não permite o gasto do pouco dinheiro que têm, estas mulheres usam algodão de roupa velha que encontram, o que é prejudicial e um perigo, pois pode causar infeções.
Pergunto-me: não achas que temos o direito de poder, livremente e sem medos, comprar produtos sem termos de nos sentir incomodadas? Quantas de nós já nos sentimos envergonhadas, pelo menos uma vez na vida, por irmos ao supermercado comprar produtos higiénicos femininos, como tampões ou pensos higiénicos? Uma coisa totalmente natural que acontece nas mulheres e que agimos como se fosse uma coisa do outro mundo.
Uma declaração que me deixou a pensar durante muito tempo foi um testemunho de uma jovem que após lhe vir o período tentou frequentar o ensino durante um ano, mas acabou por desistir desabafando: “esperava que algo mudasse, mas como nada mudou, achei difícil continuar”. Mas não foi só isto que me chocou, mas sim o facto de serem proibidas de entrar nos templos para rezar. Quando estão com o período, é-lhes dito que por mais que rezem, as orações não vão ser ouvidas por serem consideradas indecentes e impuras, aos olhos da cultura indiana. Estes costumes obrigam a que estas mulheres tenham de quebrar as suas rotinas do quotidiano como frequentar o ensino e o direito que têm de rezar tendo que permanecer em casa.
De modo a quebrar este estigma, o empresário Arunachalam Muruganantham criou, em sigilo, uma máquina que produz pensos higiénicos e ensinou esse grupo de mulheres a produzi-los. Essa determinação e interesse por parte das mulheres em aprender a trabalhar com a máquina acabou por conduzi-las à venda destes produtos de porta em porta a um baixo preço. Com o dinheiro que receberam, mesmo que seja pouco, deu-lhes a oportunidade de empoderamento, podendo tomar decisões em relação aos seus futuros, como a aposta na educação.
Como muitas não têm liberdade, principalmente depois de se casarem, e não são encorajadas a trabalhar ou a ser independentes, muitas querem adquirir independência económica e respeito por parte das famílias. Esta autonomia, que o fabrico de pensos lhes proporcionou, traduz-se precisamente nesse tão desejado respeito por terem começado a ganhar dinheiro, ao invés de permanecerem o dia inteiro em casa. Uma das raparigas, que confessa querer ser polícia para não ter de se casar, conta um caso de uma rapariga da sua aldeia que foi para a polícia de Deli, “ninguém a conhecia. Agora toda a gente a conhece. Hoje, o pai dela é conhecido por causa da filha. Antes disso, ela era conhecida por causa do pai. Vejam como as coisas mudaram. Ninguém tem uma vida melhor que ela.” O brilho nos olhos dela quando falava disto mostrava como se idolatrasse a vida que esta rapariga conseguiu conquistar, o que demonstra a persistência destas mulheres pela sua emancipação.
Uma das coisas que mais me impressionou neste documentário, por não ter tanta noção desta realidade, foram as reações das mulheres e dos homens quando a repórter lhes perguntou o que sabiam sobre a menstruação e pensos higiénicos. Para além de terem ficado corados e envergonhados, parecendo que não faziam ideia nem do que era nem para o que servia, o facto dos homens responderem que ouviram dizer que a menstruação “é uma doença que afeta maioritariamente mulheres” e das mulheres considerarem que que “só Deus sabe o que é o período”, mas que, para elas, este “é um sangue mau que sai e que os bebés nascem por causa disso”, abriu-me os olhos para a falta de conhecimento em relação ao funcionamento dos corpos femininos.
Não é uma doença. É um fenómeno natural, são alterações hormonais, que ocorrem no corpo das mulheres todos os meses, iniciando-se na adolescência e que duram até à menopausa. Este desconhecimento do corpo humano apenas demonstra a falta de instrução, tanto das mulheres como dos homens, sobre esta temática e o quão importante é fornecer o acesso à informação básica sobre o corpo humano.
Este documentário é, no fundo, uma chamada de atenção para nos relembrar que o que para nós pode ser comum, para outros não. E relembra que com determinação e persistência, estás mais perto de alcançar os teus objetivos.
Desta forma, aconselho-te, vivamente a veres, independentemente do teu género.
Texto de: Sónia Nascimento